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Cível | Direito ao esquecimento e sua incompatibilidade com a Constituição Federal26/02/2021
A ascensão das redes sociais e do fácil acesso a
informação tornou comum a “viralização” de informações, notícias e postagens em
geral pela internet, garantindo que em curtíssimos períodos, fatos sejam comunicados
e espalhados de forma exponencial.
Se a modernidade trouxe a facilidade de propagação
de informações, por outro lado diminuiu de forma drástica o direito de
privacidade e confidência, visto que em muitos casos, as notícias espalhadas
rapidamente tratam de fatos curiosos, privados ou sensíveis, ocorridos em um
grupo social, ou mesmo por todo o mundo. Nem sempre o titular da informação
espalhada, ou a pessoa a que se referem as notícias virais, desejava tornar
público ou amplamente propagado o fato em questão.
Daí surgiu o direito ao esquecimento, que por
definição é a possibilidade de que, após certo e razoável período, dados
pessoais, notícias, fotos ou fatos sobre determinada pessoa venham a ser
esquecidos, levados pelo tempo, e que este assunto não seja relembrado em
grande escala. Assim, tais informações passariam a ser proibidas de serem
veiculadas por meios de informação ou mídia.
Este direito é fruto de um princípio já há muito
existente no Direito Penal, previsto no Art. 202 da Lei de Execução Penal, pelo
qual garante-se que não constem registros de crimes cuja pena já tenha sido
cumprida de forma integral, ou que tenha sido extinta, permitindo que o delito
venha a ser esquecido e que o então criminoso possa se reintegrar à sociedade
sem sofrer represálias.
Com a constante evolução jurídica, o Direito ao
Esquecimento migrou ao âmbito civil, e passou a prestar proteção àqueles que
foram expostos em situações traumáticas, constrangedoras, humilhantes ou
íntimas. No efeito prático, permitiu que pessoas expostas constantemente
passassem a serem protegidas pelo tempo, e tivessem direito de serem
esquecidas, sob pena de requererem indenizações pela recorrente exposição de
uma mesma ocasião.
Porém, o surgimento deste direito ocasionou danos
diretos às redes midiáticas e a imprensa, que passaram a enfrentar processos
judiciais por reiterar notícias que uma ou mais pessoas desejavam permitir cair
no esquecimento. Então, iniciou-se o debate sobre os limites de cada direito:
onde acaba o a liberdade de expressão e onde começa o direito ao esquecimento?
Provocado a analisar o debate, o Supremo Tribunal
Federal decidiu, recentemente, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º
1010606 (Tema 786 de Repercussão Geral), entendeu que o Direito ao Esquecimento
é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento
que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos
ou dados verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos
ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser
analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação
penal e civil.
O Relator do caso, Ministro Dias Toffoli, entendeu pela
incompatibilidade do direito ao esquecimento com o ordenamento jurídico
brasileiro. A ministra Cármen Lúcia, em seu voto que acompanhou o relator,
argumentou que a memória coletiva garante o direito à verdade histórica, e
garante a evolução social entre gerações, permitindo que erros do passado como
escravidão, feminicídios, homofobia, entre outras causas, sejam relembradas e
repugnadas no futuro. O ministro Ricardo Lewandowski acrescentou que a liberdade
de expressão é um direito de primordial importância, pois está diretamente
ligado à democracia.
Os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes
discordaram do entendimento, mas foram vencidos pela maioria. Argumentaram que a
exposição eterna de ocasiões humilhantes e vexatórias viola o princípio da
dignidade da pessoa humana, que deve ser protegido pela justiça, por meio de
indenizações compatíveis com a extensão do dano.
Por fim, prevaleceu a ideia de que o Direito ao Esquecimento,
por mais que plausível e conexo à dignidade da pessoa humana, é incompatível
com a Constituição Federal, e que eventuais excessos ou abusos no exercício da
liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a
partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da
honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e
específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
Fonte: RE1010606 - STF
Marcelo Carvalho da Silva Mayo
Contencioso Cível Especializado |